Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis
- agosto 11, 2023
- Postado por: GinecoAcademy

Você é chamado no centro cirúrgico pelo colega para avaliar o seguinte achado durante a laparoscopia de uma paciente de 29 anos com quadro de dor abdominal difusa, de maior intensidade em hipocôndrio direito, associado a febre, náuseas e vômitos há 3 dias.
1. Qual deve ser o provável diagnóstico?
a) Perihepatite autoimune
b) Síndrome de Alagille
c) Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis
d) Hepatite viral
2. Você já se deparou com este achado?
3. Qual é o agente etiológico mais comumente associado a esta condição atualmente ?
a) N. gonorrhoeae
b) C. trachomatis
c) Streptococcus
d) Pseudomonas aeruginosa
4. Geralmente há alteração das enzimas hepáticas?
5. A antibioticoterapia indicada é a mesma para DIP?
6. Esta condição pode ser observada mesmo sem o diagnóstico evidente de DIP?
7. Esta síndrome também pode ocorrer no sexo masculino?
A síndrome de Fitz-Hugh-Curtis é uma complicação inflamatória imediata ou subaguda que pode acometer 4-20% mulheres com doença inflamatória pélvica (DIP). É assim nomeada devido a dois médicos, Thomas Fitz Hugh e Arthur Curtis, que relataram pela primeira vez a síndrome em 1934 e 1930, respectivamente.
Esta condição era classicamente associada ao agente Neisseria gonorrhoeae, mas dados recentes mostram que está notavelmente relacionada à Chlamydia trachomatis (80% dos casos). A síndrome ocorre principalmente em mulheres em idade reprodutiva durante ou logo após o início da DIP e é caracterizada por inflamação da cápsula hepática e das estruturas circundantes, com formação de aderências secundárias, causando dor aguda no abdômen superior direito. Sua fisiopatologia ainda é incerta e, apesar de ter forte componente de disseminação peritoneal direta, relatos desta síndrome no sexo masculino indicam outras formas de disseminação.
Seu diagnóstico é desafiador e baseado principalmente em história recente de inflamação pélvica, exame físico e exames de imagem (mais detalhes a seguir). O tratamento com antibióticos para DIP é geralmente satisfatório e espera-se que a resposta clínica seja rápida. Lembrando que o tratamento pode ser ambulatorial ou hospitalar a depender da condição clínica e da presença ou não de outras indicações para tratamento hospitalar. Podem ocorrer complicações a longo prazo, muitas vezes relacionadas à própria DIP. Eles incluem dor abdominal, obstrução do intestino delgado e infertilidade.
É importante destacar que, apesar de ser classicamente considerada uma complicação imediata ou subaguda da DIP, muitas pacientes oligo / assintomáticas e com quadros subclínicos ou crônicos de DIP podem ser diagnosticadas tardiamente após o achado incidental de aderências em corda de violino em cirurgias abdominais por outras indicações (ex. dor pélvica crônica, infertilidade). Nestas situações, especialmente se não houver relato prévio de tratamento adequado, as pacientes devem ser orientadas da importância da antibioticoterapia para DIP e dos demais riscos e sequelas (ex. gravidez ectópica).
Características gerais
- Complicação imediata e sequela que ocorre em: 4-20% das pacientes com DIP
- Atualmente mais associada ao agente C. trachomatis
- Fisiopatologia ainda incerta, mas inclui:

Quadro clínico
- Dor abdominal aguda geralmente em pontada ou em facada no quadrante superior direito, muitas vezes agravada com movimentação e respiração profunda
- A dor pode se espalhar para outras áreas (ombro e face interna do braço)
- Podem estar presentes: febre, calafrios, mal-estar, náuseas e vômitos
- Sinal de Murphy negativo
- O quadro de DIP aguda (critérios maiores, menores e/ou elaborados) pode estar ausente, anteceder, ocorrer simultaneamente ou após à dor em abdome superior ➙ Pode ser diagnosticada tardiamente em casos oligo ou assintomáticos

Diagnóstico diferencial
Cólica biliar, colecistite, embolia pulmonar, hepatite, abscesso hepático, pielonefrite, pancreatite, herpes zoster, nefrolitíase, úlcera péptica, pneumonia bacteriana, fúngica ou viral e carcinomatose
Exames complementares
Teste de gravidez, hemograma, VHS/PCR, Urina I e urocultura, TGO, TGP, bilirrubinas, amilase, lipase, gama-GT, microscopia do conteúdo vaginal, sorologias, pesquisa molecular de gonococo, clamídia e micoplasma, exames de imagem (Raio-X simples de abdome, USTV, TC de abdome)

Observações
- Na síndrome de Fitz-Hugh-Curtis, as enzimas hepáticas geralmente estão dentro da faixa de normalidade devido à preservação do parênquima hepático
- Na TC com contraste, observa-se realce e espessamento da cápsula hepática de Glisson na fase arterial, que desaparece na fase portal

Achado clássico na cirurgia
Aderências fibrosas finas peri-hepáticas semelhantes a cordas de violino entre o fígado e a parede abdominal ou o diafragma ➙ Podem persistir como sequela após o quadro agudo

Tratamento
- Esquemas clássicos de antibioticoterapia para DIP (tratamento ambulatorial ou hospitalar a depender do contexto clínico)
- Adesiólise raramente necessária, mas pode ser indicada em casos de dor persistente ou obstrução intestinal
Referências:
- Dayan RR, Braiman D, Shenkman I, Saidel-Odes L, Maimon N. Fitz-Hugh-Curtis Syndrome in the Absence of Pelvic Inflammatory Disease. Am J Med. 2022 Mar;135(3):e67-e68. (acesse)
- Theofanakis CP, Kyriakidis AV. Fitz-Hugh-Curtis syndrome. Gynecol Surg 2011;8:129–34. (acesse)
- Wang CL, Guo XJ, Yuan ZD, Shi Q, Hu XH, Fang L. Radiologic diagnosis of Fitz-Hugh-Curtis syndrome. Chin Med J (Engl) 2009;122(6):741–4. (acesse)
- Workowski KA, Bachmann LH, Chan PA, et al. Sexually transmitted infections treatment guidelines, 2021. MMWR Recomm Rep 2021;70 (4):1–187. (acesse)
- Onoh RC, Mgbafuru CC, Onubuogu SE, Ugwuoke I. Fitz-Hugh-Curtis syndrome: An incidental diagnostic finding in an infertility workup. Niger J Clin Pract. 2016 Nov-Dec;19(6):834-836. (acesse)
Veja também:

